Dá a surpresa de ser

Dá a surpresa de ser É alta, de um louro escuro. Faz bem só pensar em ver Seu corpo meio maduro.

Seus seios altos parecem (Se ela estivesse deitada) Dois montinhos que amanhecem Sem ter que haver madrugada.

E a mão do seu braço branco Assenta em palmo espalhado Sobre a saliência do flanco Do seu relevo tapado.

Apetece como um barco. Tem qualquer coisa de gomo. Meu Deus, quando é que eu embarco? Ó fome, quando é que eu como?

10-9-1930 - Poesias. Fernando Pessoa. (Nota explicativa de João Gaspar Simões e Luiz de Montalvor.) Lisboa: Ática, 1942 (15ª ed. 1995) - 123.

terça-feira, 30 de outubro de 2018

A Contar pelos Dados (11) – Coisas à antiga



A bicicleta rodopiava dentro da arena. Ricardino era um autêntico malabarista de circo. As crianças olhavam-no, extasiadas, ao vê-lo fazer acrobacias em duas rodas. Ele andava para trás, girava sobre si, passava por cima de um estreito corrimão, que maravilha !.... no final as palmas eram a resposta perfeita para tão boa exibição.
Ricardino agradecia por mais que uma vez e muitas vezes tinha de repetir a última façanha. Os miúdos adoravam-no e os adultos também.

Ele escrevia-lhe cartas de amor. Todos os dias uma nova. Ele era alguém que Henriqueta se habituara a olhar, ternamente, com os seus olhos doces e meigos. Mais uma carta do seu mais-que-tudo. Mais uma que ia continuar a encher o pequeno baú que tinha no quarto. Dezenas de envelopes de várias cores e tamanhos, mas todos eles com o mesmo coração pintado de vermelho.

De quando em vez, sabia-lhe bem um gelado de três sabores, do sr. Adalberto, que os vendia numa carrinha multicor, mesmo ao lado da maior tenda do circo. As escolhas eram as do costume: limão, chocolate e morango.
Ela fazia-lhe companhia, e assim, ambos sentados na primeira fila de um circo vazio, antes do espectáculo começar, chupavam os gelados e falavam que iriam casar um com o outro, no futuro, e teriam dois filhos. Um Francisco e uma Isabel. Ele queria que os filhos estudassem e tivessem outra vida diferente da dele. Henriqueta não se importava que eles trabalhassem no circo. Ricardino parecia-lhe ser feliz.

Às vezes, os dois na tenda grande, olhavam para um lado e para outro… “a tenda está vazia, dás-me um beijo ?” Henriqueta chegava a cara dela à dele e os seus lábios tocavam nos dele, unindo-se, como se nada mais interessasse no Mundo que não fosse este toque entre uma mulher e um homem.

O carro do José, levara os amigos, Ricardino e Henriqueta. Saíram os dois, em direcção a casa dos pais dela. Mãos dadas, risos nas faces, dando uma corrida feitos miúdos, dirigiram-se para a porta da rua. Henriqueta carregou no botão da campainha da porta. A D. Conceição apareceu, cumprimentou a filha e deu um beijo ao Ricardino. Entraram e seguiram em direcção à sala onde os esperava o Sr. Arménio. D. Conceição juntou-se aos três. Sentaram-se e Ricardino um pouco envergonhado, começou a falar.

“D. Conceição, Sr. Arménio, vim aqui a vossa casa para, para… …. Para o quê rapaz ? O que pretendes tu ?” – atalhou o Sr. Arménio.

“Venho pedir a mão da vossa filha em casamento !” – balbuciou Ricardino, enrubescendo-lhe as faces.

Os óculos do Sr. Arménio cairam-lhe do nariz, tal fora a inesperada frase do rapaz !

14 comentários:

  1. Mais uma vez uma história muito bonita num texto com muita imaginação.
    Adoro estes seus textos.
    Abraço

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  2. SEMPRE gostei das tuas histórias com os dados, Ricardo ,mas esta é de longe a melhor. ADOREI esta história de amor à moda-antiga.
    Afinal, não só tens jeito para o desenho, mas também para fabular.

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    1. Já há muitos anos que escrevo e que gosto de o fazer.
      Teresa muito obrigado

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  3. Quando lanças os dados ficamos curiosos para ver que faces vão sair! :) E o destino quis que saísse de novo a carta com o coração.
    Esta história até parece uma prequela daquela mais antiga que até tiros meteu! :))

    Estas histórias são uma delícia. Não deixes de lançar os dados...

    Beijinhos hexaédricos
    (^^)

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    1. Os dados foram, na realidade, algo que valeu bem o dinheiro (5€) !
      Muito obrigado Afrodite

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  4. Gostei do desenrolar da história e fiquei a imaginar as acrobacias do Ricardino, sempre à espera que ele se estatelasse no chão 😏 felizmente tu deste uma volta mais ternurenta à história e o amor aconteceu.
    Estes dados são um manancial de ideias, que não deixam os teus dotrs de escritor por mãos alheias 😀

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    1. Como já disse, os dados estão mais que pagos. Talvez tenham sido, os 5€ mais bem gastos na minha vida !
      Muito obrigado Manuela

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  5. Desta vez, com pena minha, a décima primeira publicação dos "Dados..." não actualizou na minha lista, Ricardo.
    Foi grande o meu espanto quando venho para ouvir e comentar os 'aniversários' e vejo que já está no ar desde terça-feira. :(

    Lida a história de amor - que culmina com o pedido de casamento - entre o circense Ricardino e Henriqueta, resta-me dizer-te o quanto apreciei o estilo literário romântico e quão bem construída está a história.
    Parabéns, Ricardo.
    Vai pensando na escrita em 'modo grande'.

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    1. Deve ter havido problemas no "blogger" que não actualizou como deve de ser!
      Muito obrigado pela teu louvor à minha pessoa e à minha escrita. O pensar em modo grande obrigar-me-ia a deixar de fazer outras coisas que gosto. Vou escrevendo por aqui. A vida de escritor é muito difícil em Portugal, principalmente para quem começa !

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  6. Ricardo, que imaginação fértil, que escrita linda...
    Gostei da história de amor de Ricardino e Henriqueta, deste "A contar pelos dados". E porque gostei, vou procurar os anteriores 10.
    Abraço.

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    1. Estes dados que comprei na "Tiger" por 5€, podem fazer-nos pensar e inventar histórias. Penso que muito bom para as crianças, também, em vez de estarem agarradas ao computador...
      Muito obrigado Teresa

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Eu fiz um Pacto com a minha língua, o Português, língua de Camões, de Pessoa e de Saramago. Respeito pelo Português (Brasil), mas em desrespeito total pelo Acordo Ortográfico de 90 !!!