O médico
Fernando Carvalho Araújo foi o meu médico “pediatra” e clínico geral que acompanhou
o meu crescimento. Tinha consultório em Moscavide, e era lá que eu ia às consultas
normais de criança e até mesmo de jovem. Era o médico da família. Lembro-me de
nessa altura em Moscavide haver outro médico, o Dr. Catela que nunca atendia as
chamadas telefónicas à noite quando as pessoas precisavam de ajuda médica. O
Carvalho Araújo veio modificar isso em Moscavide. Ele atendia os telefonemas e
ia com a sua mulher, ver os doentes, nem que eles fossem nos “ciganos” e
vivessem em “barracas”. Um excelente médico e ser humano. Não me lembro de
algum diagnóstico falhado e até foi ele que contribui, decisivamente, para o
nascimento da minha filha.
Obrigado
Professor Doutro Fernando Carvalho Aráujo, vamos sentir a sua falta !!!
Texto abaixo, de Francisco Antunes, Especialista em Doenças
Infecciosas e Medicina Tropical, Instituto de Saúde Ambiental, Faculdade de
Medicina da Universidade de Lisboa
In
memoriam – Prof. Fernando Abreu de Carvalho Araújo (1922-2017)
Faleceu em 11 de Setembro de 2017, aos 95 anos de idade, o
Professor Carvalho Araújo, Professor Catedrático Jubilado da Faculdade de
Medicina da Universidade de Lisboa e ex-Director do Serviço de Doenças
Infecciosas do Hospital de Santa Maria (1968-1992).
As Doenças Infeciosas estão de luto, pelo falecimento do
Prof. Fernando Abreu de Carvalho Araújo, no dia 11 de Setembro de 2017, por
complicações relacionadas com doença renal, aos 95 anos de idade. A identidade
das Doenças Infeciosas, em Portugal, ficou a dever, e muito, ao Prof. Carvalho
Araújo, tendo sido ele o obreiro do reconhecimento na Ordem dos Médicos da
Especialidade, da criação da Sociedade Portuguesa de Doenças Infecciosas
(actualmente Sociedade Portuguesa de Doenças Infecciosas e de Microbiologia
Clínica) e da Revista Portuguesa de Doenças Infecciosas, em 1985, tendo sido o
seu primeiro Director.
O Prof. Fernando Abreu de Carvalho Araújo licenciou-se, em
1950, em Medicina e Cirurgia pela Faculdade de Medicina de Lisboa, tendo-se
doutorado em 1965 com a tese “Contribuição para o estudo da toxoplasmose em
Portugal”, levantando, neste trabalho, a hipótese, pela primeira vez, da
possibilidade da existência de uma forma de resistência de Toxoplasma gondii, a
qual foi identificada mais tarde e, por outro lado, de ter confirmado, pela
primeira vez, um caso de toxoplasmose adquirida em Portugal. Na altura do
doutoramento, o Prof. Carvalho Araújo era 1º Assistente da Cadeira de Clínica
de Doenças Infecto-Contagiosas da Faculdade de Medicina de Lisboa. Em 1968 foi
nomeado Director do Serviço de Doenças Infecto-Contagiosas do Hospital de Santa
Maria, em 1970 Professor Auxiliar e em 1973 fez concurso de provas públicas
para obtenção do título de Professor Agregado de Medicina Interna da Faculdade
de Medicina da Universidade de Lisboa, mais tarde foi Professor Associado e,
finalmente, Professor Catedrático desta Faculdade.
O Prof. Carvalho Araújo foi um seguidor da escola francesa
de Doenças Infecciosas e as diversas visitas que fez a alguns estabelecimentos franceses
de investigação científica e de assistência médica em Doenças Infeciosas,
nomeadamente ao Instituto Pasteur de Paris (Departamento de Investigação
Virológica e Departamento de Estudos em Micologia), ao Hospital de Claude
Bernard, “o maior bastião francês, célebre em toda a Europa, na luta contra as
doenças infecto-contagiosas”, ao Hospital de Saint Vincent de Paul e, mais
tarde, ao Serviço de Reanimação do Hospital de Claude Bernard permitiram-lhe
dar forma aos planos de criação de um modelo para um Serviço de Doenças
Infecciosas autónomo e formatado para receber doentes com doenças infeciosas
correntes nos anos 70, do século passado. Foi um trabalho hercúleo que só
atingiu os objectivos pretendidos devido à visão e à capacidade de trabalho do
Prof. Carvalho Araújo – remodelação do Arquivo e da Biblioteca, que passou a
estar enriquecida com os principais livros e revistas sobre doenças infeciosas,
criação da Consulta Externa do Serviço de Doenças Infecciosas “que representou
uma economia de mais de 1.000 dias/cama/ano”, oficialização da Urgência Interna
e criação da ambicionada Unidade de Tratamento Intensivo de Doentes
Infecciosos, a que foi dada o seu nome, pelo reconhecimento do esforço, da
dedicação, do espírito dinamizador e do elevado sentido das realidades do
Grande Mestre da Infecciologia em Portugal. Para além do mais lançou as bases
para a criação, no Serviço de Doenças Infecto-Contagiosas, do Laboratório de
Microbiologia Aplicada.
O seu interesse pela toxoplasmose motivou a constituição, por
parte do Ministério da Saúde e Assistência, em 1969, de um Centro de Estudos da
Toxoplasmose, o qual foi enquadrado, por acordo com o Dr. Arnaldo Sampaio, ao
tempo Inspector Superior de Saúde, nas instalações do futuro Instituto Nacional
de Saúde Dr. Ricardo Jorge.
O Prof. Carvalho Araújo deixou uma vasta obra de trabalhos
publicados, para além de ter criado, em 1968, a revista Medicina Hoje
“destinada aos médicos recém-formados e àqueles outros que vivem longe dos
grandes centros médicos”. À data era a única revista de informação médica,
editada em Portugal, contendo exclusivamente, trabalhos científicos originais
de médicos portugueses. Nesta revista publicaram artigos, de entre outros,
Ducla Soares, Arsénio Cordeiro, Fernando de Pádua, Celestino da Costa, Jorge
Horta, Gouveia Monteiro, Ramos Lopes, Thomé Villar, Armando Porto, Girão do
Amaral, Sales Luís, Palma Carlos, Pinto Correia, Norton Brandão, Mário Marques,
Nazaré Vaz, Carneiro Chaves, Balcão Reis, Carneiro de Moura, Óscar Candeias e
Rui Proença. Todos eles grandes figuras do Ensino Médico, em Portugal.
Um dos projectos mais ambiciosos do Prof. Carvalho Araújo
foi a criação de um “Centro de Investigação privativo da Clínica de Doenças de
Infecto-Contagiosas da Faculdade de Medicina de Lisboa”, projecto esse que se
veio a concretizar mais tarde, 40 anos depois, com a criação do Centro de
Investigação Clínica e de Tratamento Integrado da Infecção VIH/sida e
Hepatites, no Serviço de Doenças Infecciosas, do Hospital de Santa Maria, em
2011.
O Prof. Carvalho Araújo foi louvado pelo Enfermeiro-Mor dos
Hospitais Civis de Lisboa, em 1953, pelos serviços prestados no Hospital de
Santa Marta e pelo Director-Geral da Saúde, em 1968, pela colaboração prestada
durante o surto de febre tifóide ocorrido em Alhandra.
O Prof. Carvalho Araújo foi sempre muito grato a todos
aqueles que o dirigiram e orientaram na sua formação, mas, também, nunca
esqueceu aqueles que com ele compartilharam a vida profissional no Serviço de
Doenças Infecto-Contagiosas, mais tarde designado Serviço de Doenças
Infecciosas, de que foi Director durante 24 anos (1968-1992). A este propósito
afirmou “Orgulho-me de ter tão excelente equipa, uma equipa unida, consciente e
esclarecida, altamente especializada e extremamente eficiente, com a qual dá
muita satisfação trabalhar”.
O Prof. Carvalho Araújo regia-se por princípios éticos e
profissionais muito rigorosos, no desempenho das suas funções médicas e
docentes e, a propósito do seu pedido de demissão de professor da Escola de
Enfermagem do Hospital Escolar de Santa Maria, em 1970, afirmou “Cabe aqui
dizer que no meu pedido de demissão, de tais funções, pesou muito, também, a
minha oposição, quase frontal, ao programa anacrónico que, ano após ano, me foi
imposto e a minha discordância, por mera questão de princípios, do sistema de
retribuição pelos serviços, efectivamente, prestados, retribuição muito pouco
dignificante para quem ensina, mas muito menos, ainda, para a Instituição que a
pratica”.
Todos aqueles que beneficiámos dos ensinamentos e
do convívio com o Prof. Carvalho Araújo devemos-lhe um sentimento de gratidão e
a certeza de que o reconhecimento que têm as Doenças Infeciosas em Portugal é
devido ao legado que nos deixou e que procuramos honrar.