Dá a surpresa de ser

Dá a surpresa de ser É alta, de um louro escuro. Faz bem só pensar em ver Seu corpo meio maduro.

Seus seios altos parecem (Se ela estivesse deitada) Dois montinhos que amanhecem Sem ter que haver madrugada.

E a mão do seu braço branco Assenta em palmo espalhado Sobre a saliência do flanco Do seu relevo tapado.

Apetece como um barco. Tem qualquer coisa de gomo. Meu Deus, quando é que eu embarco? Ó fome, quando é que eu como?

10-9-1930 - Poesias. Fernando Pessoa. (Nota explicativa de João Gaspar Simões e Luiz de Montalvor.) Lisboa: Ática, 1942 (15ª ed. 1995) - 123.

sábado, 21 de agosto de 2021

O Poeta Bocage (4)

Vou trazer aqui em dez publicações, trinta sonetos de Manuel Maria Barbosa du Bocage (Elmano Sadino), pseudónimo adoptado em 1790, quando da sua adesão à Academia das Belas Letras ou Nova Arcádia. Bocage é um dos nossos melhores poetas, embora não lhe seja reconhecida a sua genialidade, visto ser basicamente conhecido pelas suas anedotas obscenas ou ousadas. Escolhi trinta sonetos, dez da poesia lírica, dez de poesia satírica e outros dez da poesia erótica.

Alguns links sobre a poesia de Bocage, bem como onde poderão encontrar  alguns livros editados do poeta:

https://www.bertrand.pt/autor/bocage/9129

https://www.wook.pt/livro/poesias-eroticas-bocage/223553

https://www.fnac.pt/Antologia-de-Poesia-Erotica-de-Bocage-Bocage/a1320322

Na RTP

Entrevista a Daniel Pires, presidente do Centro de Estudos Bocagianos sobre a obra satírica e erótica do poeta Manuel Maria Barbosa du Bocage, com visita à exposição "2005 Ano Bocage", Comemorações do Bicentenário da Morte de Bocage, patente no Museu de Arqueologia e Etnografia de Setúbal realizada por Henrique Félix.

https://arquivos.rtp.pt/conteudos/poesia-erotica-e-satirica-de-bocage/

Na TSF

https://www.tsf.pt/programa/o-livro-do-dia/emissao/antologia-de-poesia-erotica-de-bocage-8963082.html

No Município de Setúbal

https://www.mun-setubal.pt/livro-valoriza-poesia-erotica/


Sobre a artista plástica Dina de Sousa:

http://artistasportugueses.weebly.com/dina-de-sousa.html


Lírica

Vai-te, fera cruel, vai-te, inimiga,

Horror do mundo, escândalo de gente,

Que um férreo peito, uma alma que não sente,

Não merece a paixão que me afadiga.

 

O Céu te falte, a terra te persiga,

Negras fúrias o Inferno te apresente,

E da baça tristeza o voraz dente

Morda o vil coração, que Amor não diga.

 

Disfarçados, mortíferos venenos

Entre licor suave em áurea taça

Mão vingativa te prepare ao menos;

 

E seja, seja tal tua desgraça,

Que ainda por mais leves, mais pequenos

Os meus tormentes invejar te faça.

 

Satírica

Vós, ò Franças, Semedos; Quintanilhas,

Macedos e outras pestes condenadas;

Vós, de cujas buzinas penduradas

Tremem de Jove as melindrosas filhas;

 

Vós, néscios, que mamais das vis quadrilhas

Do baixo vulgo insossas gargalhadas,

Por versos maus, por trovas aleijadas,

De que engenhais as vossas maravilhas,

 

Deixai Elmano, que, inocente e honrado,

Nunca de vós se lembra, meditando

Em coisas sérias, de mais alto estado.

 

E se quereis, os olhos alongando,

Ei-lo! Vede-o no Pindo recostado,

De perna erguida sobre vós mijando.

 

Erótica

Soneto de todos os cornos

 

Não lamentes, Alcino, o teu estado,

Corno tem sido muita gente boa;

Cornissimos fidalgos tem Lisboa,

Milhões de vezes cornos têm reinado.

 

Siceu foi corno, e corno de um soldado;

Marco António por corno perdeu coroa;

Anfitrião com toda a sua proa

Na fábula não passa por honrado;

 

Um rei Fernando foi cabrão famoso

(Segundo a antiga letra da gazeta)

E entre mil cornos expirou vaidoso;

 

Tudo no mundo está sujeito à greta;

Não fiques mais, Alcino, duvidoso,

Pois isto de ser corno é tudo peta.

8 comentários:

  1. Penso que já aqui disse que gosto muito do Bocage. Estudámo-lo aquando dos 250 anos da sua morte na Universidade sénior, comprámos livros e visitámos a sua casa museu em Setúbal.
    Abraço, saúde e bom domingo

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. É algo que um dia gostaria de fazer, ir visitar a sua casa museu em Setúbal.
      Elvira obrigado

      Eliminar
  2. O teu critério de escolha é simultaneamente didáctico e estético-literário.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Teresa, possivelmente, estou com "sorte", porque embora leia e seleccione os sonetos, normalmente escolho os que mais gosto: Não tenho conhecimento literário e do poeta, suficientes, para ser tão meticuloso e perspicaz nas escolhas. Além disso, acredito que tanto os satíricos como os eróticos, estejam, possivelmente, direccionados a alguém ou algum episódio da época, e que seria interessante conhecer.
      Obrigado

      Eliminar
  3. Boas escolhas. Gosto muito do Bocage.
    Ouvir a declamação do último poema, foi muito bom.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Ainda não chegámos a meio das publicações que serão 20. Agrada-me que estejas a gostar.
      Manuela obrigado

      Eliminar
  4. Grande Manuel Maria!!!
    Abraço, boa semana

    ResponderEliminar

Eu fiz um Pacto com a minha língua, o Português, língua de Camões, de Pessoa e de Saramago. Respeito pelo Português (Brasil), mas em desrespeito total pelo Acordo Ortográfico de 90 !!!