Esta a primeira de três publicações que fiz para o meu anterior blogue “Mudam-se os Tempos, Mudam-se as Vontades” (já apagado!), irão passar aqui de seguida. Deveriam ter vindo antes das que fiz sobre ópera, mas como “mais vale tarde que nunca”. E vamos começar por uma breve introdução e explicação.
Não sou ignorante em termos de música, mas não aprendi teoria sobre o belo canto, e sobre uma das disciplinas/artes mais bonitas que existem que é o cultivo da voz humana. Não sei muito e pesquisei sobre o belo canto e as suas vozes, para vos levar e dar, e aí sim, é esse o meu principal intuito, a conhecer e a frequentar, pelo menos uma vez, uma ida ao teatro para ouvirem e verem um espectáculo de ópera.
Dizia eu, em 7 de Julho de 2008 (blogue anterior !), a propósito do meu primeiro artigo sobre óperas e o belo canto, e focando a “Carmen” de Georges Bizet:
“O meu Pai foi, sem dúvida, o causador de eu gostar um “pouco” de ópera. Durante a minha juventude, fez-me ouvir alguma música erudita e deu-me a conhecer grandes obras, de grandes compositores. Pelos finais dos anos 60, início dos 70, existia em Lisboa, uma temporada anual de ópera, levada à cena no Teatro da Trindade e interpretada por cantores portugueses. Essa temporada, eu costumava frequentar, os preços eram acessíveis para a época.
Para quem nunca ouviu ópera, posso dizer que é diferente de tudo o resto, e nesta diferença com qualidade é que está o nosso ganho. É como o jazz, ou outro género musical qualquer, deve-se ouvir com atenção, tentar entender, e não ouvir só para distrair. Não sejamos superficiais. É aquele fugir à rotina que vos venho falando desde o início deste blogue, a procura do diferente, não se esqueçam.
Não foi com "Carmen" que me estreei a ouvir ópera (foi com o "Barbeiro de Sevilha" de Giacomo Rossini), mas penso que "Carmen" é um bom exemplo para nos iniciarmos neste género musical.
Explicar-vos tecnicamente, o que é este género musical, ou o que são, os tenores, os sopranos, os barítonos e os baixos, não vou ter essa veleidade. Sou um mero melómano, curioso, como muitos de vocês, e infelizmente não tenho suficientes conhecimentos musicais para esse tipo de explicação científica.
No entanto, sei que as vozes masculinas se dividem em tenores (vozes mais agudas), barítonos (vozes intermédias) e baixos (vozes mais graves). As vozes femininas dividem-se, em sopranos (vozes mais agudas) e meio-sopranos e/ou contraltos (vozes mais graves). Depois entre cada tipo de voz existem subdivisões, por exemplo, os tenores podem ser líricos, dramáticos, absolutos, ou os sopranos podem líricos e dramáticos, os baixos podem ser “bufos”, etc.. E fiquemos por aqui…”.
Primeiro que tudo vamos aprender o termo tessitura que é importante para continuarmos esta explicação:
Tessitura, substantivo feminino
1. Música - Disposição das notas musicais para se acomodarem a certa voz ou instrumento.
2. Figurado - Contextura; organização.
Tenor (ô), substantivo masculino
1. Voz de homem mais alta que a de barítono; 2. Cantor que tem esta voz.
Então vamos aqui descrever como estão definidos os tenores, que são a grosso modo, as vozes mais agudas que os homens podem ter:
Tenorino - é um tipo de Tenor Ligeiro que apresenta pouca força de timbre e facilidade incrível para alcançar notas altas. É a forma mais aguda do tenor ligeiro, podendo atingir tons muito agudos sem recorrer a falsete. Difere-se do Tenor Ligeiro por não possuir uma boa sustentação de notas. Em geral crianças e adultos do sexo masculino que possuem voz fina, mesmo ao falar, são tenorinos.
Tenor Ligeiro - é o timbre de tenor de voz mais leve e menos viril, de pouca intensidade e tessitura muito aguda, também é o mais ágil entre os tenores, devido à falta de intensidade ele é compensado com uma grande facilidade de agilidade e flexibilidade. É o tipo de tenor encontrado em óperas de Bellini, Donizetti e Rossini. Sua tessitura usual é do Dó2 ao Ré4
(Fá4).
Tenor Lírico Ligeiro - é o timbre intermediário entre o Tenor Ligeiro e o Tenor Lírico uma voz redonda e suave de menor consistência e com uma qualidade sonora agradável e acariciante. Esse timbre é muito cotado para papéis bufos e cómicos. Sua tessitura usual é do Dó2 ao Ré4.
Tenor Lírico - é timbre típico do tenor: é apaixonado, expressivo e sensual, aveludado e redondo que lembra o timbre do violoncelo. Possui uma notável igualdade de registos e uma beleza extraordinária nos “legatos” (limites), cuja emissão se torna espontânea. Sua tessitura usual é do Dó2 ao Dó4.
Tenor Lírico “Spinto” - é timbre lírico com características do tipo de voz “Spinto” [do italiano “spingere” (empurrar)], que lhe permite cantar passagens dramáticas e de orquestração pesada sem desgaste, embora não seja um Tenor Dramático. É de timbre mais denso e encorpado, com registo central intenso e geralmente amplo em volume. Embora possua características próximas da do Tenor Lírico, a cor do timbre é mais escura ou metálica e, pelo volume e “squillo” (anel) da voz, pode cantar linhas vocais vigorosas. É o típico tenor dos heróis de Verdi e seus contemporâneos e do verismo (*) italiano, geralmente sendo usado em papéis que exigem grande carga expressiva ou caracterizados pelo vigor ou pujança. Sua tessitura usual é do Lá1 ao Dó4.
(*) Verismo, (francês vérisme), substantivo feminino
Nome dado em Itália à escola literária e musical que, como a escola realista, reivindica o direito de representar a realidade integral.
Tenor Lírico Dramático - é o timbre intermediário entre o Tenor Lírico e o Tenor Dramático. Isto é, mantém as características dos dois timbres, distinto do Lírico-“Spinto” que nada mais é que um lírico mais encorpado e pujante. É mais intenso que o Lírico-“Spinto”, mais metálico, mantém uma nuance mais austera e uma grande extensão, um timbre de cor escura e possui uma naturalidade madura. O timbre do Lírico-Dramático causa uma grande confusão com o Lírico-“Spinto”, por possuir mais ou menos as mesmas cores e cantar quase sempre o mesmo repertório. Dos dois timbres os papéis exigem passagens líricas e dramáticas, evidentemente os Lírico-“Spintos” tem maior facilidade nas passagens líricas e maior propensão ao “legato” (limite) e nuances líricas, como o papel de Cavaradosi que exige muito lirismo nas suas árias. Já o Lírico-Dramático tem maior propensão e passagens declamativas e de dramatismo irrompidos como Radamés em Aída, ou Calaf em Turandot. Sua tessitura usual é do Lá1 ao Si3 (Dó4).
Tenor Dramático - é um timbre raro e muito intenso de cor metálica robusta, às vezes um pouco áspera, uma voz com muito volume e uma extensão excepcional, assim como o soprano pode apresentar diferentes padrões de vozes como uma voz metálica com grande potência no registo agudo, chamado de Tenor Dramático “Squillante” como Jussin Björling e Richard Tauber, é também o tipo mais ágil nomeado às vezes de Tenor Dramático “d’agilitá” (agilidade), também temos uma voz mais aveludada e redonda, com um timbre escuro e de grande amplidão sonora no registo central, chamado de Tenor “di Forza”. Sua tessitura usual é do Lá1 ao Si3 (Dó4).
Tenor Absoluto é um tipo de tenor que possui grande extensão e facilidade de interpretação de todo repertório para tenor. Como Plácido Domingo que já cantou inúmeros papéis para tenor, desde o repertório para Tenor Ligeiro como o Conde de Almaviva no “O Barbeiro de Sevilha” até aos papéis de Heldentenor, como “Siegfried e Parsifal”.
Na maioria das vezes os tenores que se arriscam nessa categoria são Tenores Líricos e Lírico-“Spintos” maduros, com anos de experiência em palco. Este tipo de tenor deve ter a sensibilidade para interpretar papéis tão complexos e de diferentes caracteres, deve ter no mínimo os principais papéis Italianos de Puccini e Verdi, os papéis franceses de Gonoud, Bizet e os papéis alemães de Wagner, Strauss, Weber. Também há alguns que se arriscam no repertório russo de Tchaickovski, Glincka, Moussorgsky. E os papéis de agilidade de Mozart, Donizetti, Bellini e Rossini. Cita-se Plácido Domingo porque as suas interpretações são sempre convincentes independentemente do repertório, o seu timbre é muito amplo e a cor baritonal. A tessitura usual é quase sempre do Sol1 ao Dó4.
Vamos aos exemplos, não para todos os timbres da voz de Tenor, mas o suficiente e talvez o mais importante.
Primeiramente, vamos ouvir um Tenor Lírico numa excelente ária de ópera, da ópera “La Bohême”, de Giacomo Puccini (1858-1924), interpretada por Robert Alagna, a célebre ária “Che Gelida Manina” (Que mão gelada ou que mão tão fria), gravada em Dezembro de 1995, no teatro Ópera da Bastilha, em Paris, e onde o personagem Rudolfo (poeta) pega na mão de Mimi “…che gelida manina”, conta-lhe quem é, o que faz, e se apaixona por ela.
Roberto Alagna (07-06-1963) é um tenor lírico descendente de italianos. Nasceu em Clichy-sous-Bois, Seine-saint-Denis, em França.
Nasceu de uma família de emigrantes sicilianos e quando novo cantava e ganhava à gorjeta em “cabarets” parisienses. Influenciado por filmes do grande tenor Mario Lanza, mas também por muitas gravações de tenores históricos, ele trocou o canto “pop” pelo canto de ópera, mas ao princípio muito auto-didacta.
De seguida, o exemplo de um Tenor Absoluto numa ária de ópera, da ópera “Os Palhaços”, de Ruggero Leoncavalo (1858-1919), interpretada por Luciano Pavarotti, a célebre ária “Vesti La Giubba”, onde Cânio, director da companhia ambulante, fala dele próprio e se diz Palhaço em vez de Homem que enfarinha a cara e veste o gibão, para que o público ria e pague e se o Arlequim te rouba a Columbina, ri, ri, Palhaço, que todos te aplaudirão.
Luciano Pavarotti (Módena, 12-10-1935 — Módena, 06-09-2007) foi um cantor tenor absoluto italiano, grande intérprete das obras de Donizetti, Puccini e Verdi, de entre outras no seu grande repertório. É reconhecido como o tenor que popularizou mundialmente a ópera. Pavarotti nasceu em Módena, no norte da Itália, filho de Adele Venturi e de Fernando Pavarotti. Em 1943, no decorrer da Segunda Guerra, a família mudou-se para o interior, dedicando-se à agricultura. O seu gosto musical foi directamente influenciado pelo seu pai, que ouvia Beniamino Gigli, Giovanni Martinelli, Tito Schipa e Enrico Caruso.
O terceiro exemplo é mais um Tenor Absoluto, o grande tenor espanhol Placido Domingo que canta aqui a ária da ópera “Carmen” de Georges Bizet (1838-1875) “La fleur que tu m’avais jetée”. Aqui o militar D. José (da brigada dos dragões de Almanza) se confessa loucamente apaixonado por Carmen (cigana). Esta para mim será a ópera ideal para quem começar a ouvir este estilo musico, porque tem uma história não desactualizada, belíssimas passagens de canto e alguns coros. Este excerto pertence a uma representação no Teatro Nacional da Ópera de Paris, com coros e orquestra do mesmo Teatro, dirigidos pelo maestro Pierre Dervaux, em 14 de Maio de 1980.
José Plácido Domingo Embil (Madrid, 21-01-1941) é um tenor e maestro espanhol. Plácido Domingo nasceu em Madrid, filho dos cantores de zarzuelas Plácido Domingo e Pepita Embil. Conhecido na sua família como "El Granado", por cantar desde muito pequeno a canção Granada, de Agustín Lara. Em 1949, a sua família mudou-se para a Cidade do México a fim de trabalhar onde iniciou os seus estudos de piano. Tempos depois, foi admitido na Escola Nacional de Artes e no Conservatório Nacional de Música da capital mexicana, estudando piano e regência.
No último exemplo, temos um Tenor Dramático, numa das mais belas passagens de canto de todos os tempos. Falo-vos da ária “Celeste Aida”, da ópera “Aída” de Giuseppe Verdi (1813-1901). Ouvi esta mesma ária, que aqui vamos trazer, pela primeira em disco há mais de 30 anos. No papel de Radamés, capitão da guarda no antigo Egipto, está um fabuloso tenor canadiano Jon Vickers.
Jonathan Stewart Vickers (29-10-1926 - 10-07-2015) é mais conhecido com o nome profissional Jon Vickers, é um tenor aposentado. Nasce em Prince Albert, Saskatchewan, Canadá. Em 1950 ganha uma bolsa para estudar ópera no Conservatório Real de Música em Toronto. Em 1957, Vickers associa-se ao Royal Opera House, Covent Garden e em 1960 ao Metropolitan Opera. Ele torna-se mundialmente famoso pelas suas performances de papéis Alemães, Franceses e Italianos. Ele tinha uma voz de tenor dramático muito poderosa, que era muito bem usada em papéis Wagnerianos.