Dá a surpresa de ser

Dá a surpresa de ser É alta, de um louro escuro. Faz bem só pensar em ver Seu corpo meio maduro.

Seus seios altos parecem (Se ela estivesse deitada) Dois montinhos que amanhecem Sem ter que haver madrugada.

E a mão do seu braço branco Assenta em palmo espalhado Sobre a saliência do flanco Do seu relevo tapado.

Apetece como um barco. Tem qualquer coisa de gomo. Meu Deus, quando é que eu embarco? Ó fome, quando é que eu como?

10-9-1930 - Poesias. Fernando Pessoa. (Nota explicativa de João Gaspar Simões e Luiz de Montalvor.) Lisboa: Ática, 1942 (15ª ed. 1995) - 123.

sábado, 23 de setembro de 2017

Lenda da "Batalha de Sacavém"

Talvez por ser aqui muito perto de mim, a vila de Sacavém também tem uma lenda.

Lenda da “Batalha de Sacavém”.

A mítica batalha de Sacavém terá sido um recontro travado entre o primeiro rei português, D. Afonso Henriques, e os mouros, no início do cerco de Lisboa, em Julho de 1147, às margens do rio Trancão, junto da antiga ponte romana que cruzava o rio.

Reconquista Cristã


 Batalha de D. Afonso Henriques junto à ponte romana em Sacavém

Data:  Julho de 1147
Local: Ponte romana de Sacavém, nas margens do Rio Trancão

Beligerantes:
Cristãos: Reino de Portugal e Cruzados
Muçulmanos: Taifa de Badajoz

Comandantes:
Cristãos: Afonso Henriques         
Muçulmanos: Bezai Zaide

Forças militares (de acordo com a tradição):
1500 homens cristãos
5000 homens muçulmanos

Baixas:
Cristãos: não disponível (elevadas)        
Muçulmanos: 3000 mortos em combate, elevado número de afogados; remanescentes feitos prisioneiros
  
Precedentes

Após a conquista de Santarém, Afonso Henriques preparou-se para tomar Lisboa e assim consolidar definitivamente não só a linha do Tejo como a própria independência de Portugal – o domínio do seu fértil vale garantia-lhe a plena auto-suficiência e malograva os planos leoneses (reino de Leão) de re-anexar Portugal.

Entretanto, espalhava-se pela Estremadura a notícia de que os cristãos já cercavam Lisboa, tornando-se imperativo ajudar à defender a todo o custo o derradeiro reduto muçulmano a Norte do Tejo.

Assim sendo, ter-se-iam reunido nas proximidades de Sacavém, a norte do seu rio, prontos a dar luta e a desbaratar as forças de Afonso Henriques, cerca de cinco mil muçulmanos oriundos não só da Estremadura (Alenquer, Lisboa e Sacavém), como até do Oeste (Óbidos e Torres Vedras) e do Ribatejo (Tomar e Torres Novas), sob o comando do wali (alcaide muçulmano) de Sacavém, Bezai Zaide.

Uma batalha, um milagre


  Afonso Henriques que, de acordo com a tradição, teria conquistado Sacavém aos Mouros.

Afonso Henriques dispunha apenas de uma força de mil e quinhentos guerreiros, e foi nessas condições que se iniciou a batalha, tendo como palco Sacavém de Baixo, na margem do rio de Sacavém, entre os actuais montes de Sintra e do Convento, junto à velha ponte romana, fortemente defendida pelos mouros, os quais haviam já iniciado a sua travessia, dispostos a desbaratar os portugueses.

Não obstante a significativa diferença numérica entre ambos os contendores, acabaram por vencer os cristãos; muito embora a maior parte destes últimos tenha perecido, conseguiram ainda assim matar três mil muçulmanos a fio de espada, tendo os restantes mouros afogado-se no rio ou sido feito prisioneiros.

Esta miraculosa vitória foi atribuída à divina intervenção da Virgem Maria, que teria feito aparecer durante o combate «muitos homens estranhos que pelejavam com os cristãos». Como Afonso Henriques contou com o apoio de Cruzados para tomar a capital, podemos partir do princípio, mais ou menos seguro, de que os homens estranhos (id est, «estrangeiros») a que a fonte se reporta seriam esses cristãos oriundos da Europa do Norte.

Conta-se aliás que Bezai Zaide, perante o sucedido, ter-se-ia convertido à fé cristã e sido inclusive o primeiro sacristão da ermida dedicada a Nossa Senhora dos Mártires (assim chamada em honra dos cristãos que caíram na batalha), que D. Afonso Henriques ali mandou erguer passados poucos dias do recontro.

Ao mesmo tempo, o rei teria também mandado reconstruir a velha Igreja de Nossa Senhora dos Prazeres (que estaria em ruína sob a ocupação muçulmana, apesar de estes terem aparentemente permitido a manutenção do culto cristão, mediante o pagamento de um dado tributo - a jizya - às autoridades islâmicas), tendo feito dela sede paroquial de Sacavém e alterado a sua invocação, dedicando-a a Nossa Senhora da Vitória (em homenagem à sua estrondosa vitória sobre os mouros, devido à intercessão da Virgem).

Entre a história e a lenda

O primeiro a aludir a esta tradição foi o monge cistercience de Alcobaça, Frei António Brandão, afirmando basear-se numa tradição, já velha, recolhida entre as gentes de Sacavém; também Miguel de Moura, nas suas inéditas Memórias da Fundação do Mosteiro de Sacavém, alude a essa lenda existente entre os sacavenenses, que mandou averiguar quando desejou erigir o Convento de Nossa Senhora dos Mártires e da Conceição de Sacavém, no lugar da antiga ermida da Senhora dos Mártires, em 1577.

Contudo, não há quaisquer provas históricas que corroborem a existência de facto deste combate; as fontes coevas da conquista (como a conhecida Carta do cruzado inglês Randulfo ao clérigo Osberto de Baldreseia – a moderna Bawdsey, no Suffolk –, a qual relata em pormenor a expugnação da cidade), não fazem qualquer alusão a este embate às margens do rio de Sacavém.

No século XIX, o grande historiador e político Alexandre Herculano foi o primeiro a pôr em causa este facto, na sua conhecida História de Portugal. Hoje em dia, ela é comummente tida como sendo praticamente lendária, pelo menos com os contornos com que foi descrita.

Referências


Monarquia Lusitana, Frei António Brandão, folhas 170, 170 v. e 171



27 comentários:

  1. Não conhecia e gostei de ler.
    Um abraço e bom fim de semana

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  2. Conhecia os factos históricos e a lenda, mas não tão pormenorizadas.
    Gostei bastante de ler.
    :)

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  3. lenda ou historia Ricardo, nao deve ser esquecida ! dai uma boa partilha! o facto é que continuamos portugueses e foram precisas muitas batalhas !
    bom domingo
    Angela

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    1. Verdade para sermos o que somos hoje, foi preciso correr muito sangue !
      Obrigado Ângela !

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  4. Conhecia os factos mas não a lenda.

    Esta iniciativa tem sido uma verdadeira surpresa.

    Obrigada Ricardo.

    Beijinhos

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    1. Verdade NI esta inciativa das Lendas tem sido muito interessante !
      Obrigado

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  5. Belíssimo este post, muito bem apresentado e com esta lenda recheada de História !!! ... Ficamos mais ricos !
    Estás de parabéns, Ricardo !!! :)

    E assim, o nosso "Legendeiro" vai crescendo ! Estou a adorar tantas e tão boas adesões ! :)

    Um Abraço, Ricardo, extensivo a todos os que já publicaram uma lenda !
    Obrigado por esta !

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    1. O nosso Legendeiro está a crescer sim !
      Obrigado a ti e a todos !

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  6. Uma bela Lenda que no conta a história da nossa História!
    Estás de Parabéns, Ricardo.
    De ti não esperávamos outra coisa!! :)

    Bom Domingo!

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    1. Algo aqui mesmo ao pé de mim, e uma vila que também conheces, tenho a certeza.
      Obrigado Janita !

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  7. A Ângela tem razão, foram necessárias muitas batalhas para mantermos a nossa independência e identidade.
    E esta batalha, a ter de facto acontecido, foi provavelmente mais uma das decisivas! Claro que se houvesse provas concretas em como esta batalha de Sacavém aconteceu, não estávamos hoje a falar dela... já que ela continua apenas escrita como lenda.
    É essa aliás a magia de todas as lendas, o mistério que envolve muitas destas histórias que nos deixam como que no "limbo" entre certezas e dúvidas.

    E Viva Dom Afonso Henriques!

    Obrigada Ricardo, gostei muito da tua contribuição e de mais esta entrada para o nosso LEGENDEIRO.
    Beijinhos patrióticos
    (^^)

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    1. Pois, quer queiramos quer não, D. Afonso Henriques foi na realidade um dos Pais da nossa Pátria Portugal. Muitas batalhas se deram para conseguirmos unificar e construir o reino de Portugal.
      O teu Legendeiro vai de vento em popa. Uma belíssima iniciativa !
      Obrigado Afrodite !

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  8. Gostei muito, Ricardo! Uma lenda muito bem circunstanciada! E eu conheço esses azulejos. Adoro lendas e adoro azulejos...

    Beijinhos lendários...

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    1. Também gostei da lenda e por ser mesmo aqui ao lado, decidi escolhê-la. A azulejaria é algo que gosto imenso. Aprecio muito todo o tipo de objectos relacionadas com vidro, porcelana, pedra.
      Obrigado Graça !

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  9. Caro coetâneo Ricardo Santos.
    Tu sabes que eu nem piscava,quando nos bancos escolares, o objeto de estudo era a história de reis e rainhas do reino distante além-mar.
    Grato por me possibilitar conhecer esta lenda!
    Caloroso abraço. Saudações lusófonas.
    Até breve...
    João Paulo de Oliveira
    Um ser vivente em busca do conhecimento e do bem viver, sem véus, sem ranços, com muita imaginação, autenticidade e gozo.

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  10. PS - A vírgula é depois da palavra quando.
    Já estou de castigo no milho.
    Max...

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  11. Repito o que já comentei muitas vezes - estamos sempre a aprender!
    Aquele abraço

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    1. Todos é que sabemos e conhecemos tudo !
      Obrigado Pedro

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  12. Gostei muito desta lenda e dos azulejos. Se não soubéssemos que era uma lenda, tinha todos os ingredientes para ser considerado um facto histórico bem real, já que a nossa história está recheada de batalhas que nos levaram a ser o que somos hoje.
    Muito obrigada pela partilha

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    1. Mas o Alexandre Herculano deitou a lenda por terra, por isso mesmo é lenda !
      Obrigado Manuela

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  13. Muito bem. Gostei de ficar a conhecer esta lenda, bastante diferente das que já li nesta já longa lista reunida pela Afrodite.

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    1. Lenda de batalhas, de um tempo em que Portugal começava a erguer-se na Europa ainda medieval !
      Obrigado Luísa

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  14. Entre a história e a lenda, sempre preferi a lenda. é mais bonita, tem e dá valores e é difícil de apagar tal a fé que guarda nas suas histórias. E afinal o que é a história? Nada mais do que um conjunto de factos, comprovados e não, que unidos pela mentalidade, tendências, poder de síntese e vontade do historiador na construção da narrativa, serve para unir uma nação em torno de valores, interesses e alma comum. Hoje discute-se muito a história, com uma norma crescente de dúvida, pondo em causa valores fortes por razões miserabilistas. Apenas porque sim e principalmente para defender valores ideológicos. E é pena porque põem em dúvida a alma da nação. Por isso também prefiro a lenda, que vem do povo, é inocente e genuína e raramente obedece a valores ideologicamente rasteiros. João Soeiro da Costa - P.S. Gostei de ler sobre a batalha de Sacavém. Lenda que é mais do que história. Obrigado.

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    1. Infelizmente o video foi retirado do Youtube.
      Caro João Soeiro da Costa, obrigado pelo comentáriop

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Eu fiz um Pacto com a minha língua, o Português, língua de Camões, de Pessoa e de Saramago. Respeito pelo Português (Brasil), mas em desrespeito total pelo Acordo Ortográfico de 90 !!!