Dá a surpresa de ser

Dá a surpresa de ser É alta, de um louro escuro. Faz bem só pensar em ver Seu corpo meio maduro.

Seus seios altos parecem (Se ela estivesse deitada) Dois montinhos que amanhecem Sem ter que haver madrugada.

E a mão do seu braço branco Assenta em palmo espalhado Sobre a saliência do flanco Do seu relevo tapado.

Apetece como um barco. Tem qualquer coisa de gomo. Meu Deus, quando é que eu embarco? Ó fome, quando é que eu como?

10-9-1930 - Poesias. Fernando Pessoa. (Nota explicativa de João Gaspar Simões e Luiz de Montalvor.) Lisboa: Ática, 1942 (15ª ed. 1995) - 123.

quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

Lisboa (VII) - A Casa do Alentejo

Ninguém dá nada por este edifício do lado de fora, mas internamente, é extremamente bonito. Merecia um restauro de verdade, houvesse dinheiro para isso. O antigo “Grémio Alentejano” foi fundado em 10 de Junho de 1923. Entrei aqui pela primeira vez, pela mão do meu pai, há mais de 40 anos. Antes da “pretensa” Revolução era reservada a sua entrada ao “Direito de Admissão”, mas como existia uma pessoa conhecida, costumávamos lá ir, jogar bilhar. Verdade que não foram muitas as vezes, mas foram as suficientes para não me esquecer e voltar lá depois do 25 de Abril, onde durante alguns dias, da minha vida, era o local predilecto para o almoço dos Sábados, com a minha família.
Se não conhecem, sugiro que o façam. A “Casa do Alentejo” está situada na Rua das Portas de Santo Antão, a mesma da, do Coliseu dos Recreios, mesmo em frente à Rua Jardim do Regedor (hoje passeio pedestre!), rua essa que desemboca na Praça dos Restauradores.
Tem dois grandes salões espectaculares que estão paredes meias, separados por um palco que dá para as duas salas. Num deles é costume fazerem festas e bailaricos de Carnaval.
Link: https://www.facebook.com/palacioalverca

Para ilustrar musicalmente este conjunto de fotografias, trago aqui ao “O Pacto Português”, o grande José Afonso e a sua canção “Cantar Alentejano” dedicada a Catarina Eufémia, mártir da GNR e assassinada grávida.

Um pouco da biografia de Zeca, compilada por Viriato Teles:

“…Zeca Afonso foi um notável compositor de música de intervenção, durante um dos mais conturbados períodos da história recente portuguesa. Como compositor, soube conciliar de forma notável a música popular e os temas tradicionais com a palavra de protesto.
José Afonso, de nome completo José Manuel Cerqueira Afonso dos Santos, nasceu em Aveiro, a 2 de Agosto de 1929, filho de José Nepomuceno Afonso, magistrado, e de Maria das Dores, professora primária.
Em 1930 os pais vão para Silva Porto (actual Cuíto), Angola, onde o pai havia sido colocado como Delegado do Ministério Público. Por razões de saúde, José Afonso permanece em Aveiro, na casa da Fonte das Cinco Bicas, confiado à tia Gigé e ao tio Xico, um "republicano anticlerical e anti-sidonista". Por insistência da mãe, em 1932, e já com três anos e meio de idade, segue para Angola, no vapor Mouzinho, acompanhado por um primo que ia em lua-de-mel, e que o deixa ao abandono vindo a agarrar-se a um sacerdote, a única pessoa que lhe presta atenção.
José Afonso segue atentamente a crise estudantil de 1962. Em Faro convive com Luiza Neto Jorge, António Barahona, António Ramos Rosa e Manuel Pité, e namora com Zélia, natural da Fuzeta, que será a sua segunda mulher e com quem terá mais dois filhos, Joana e Pedro. É José Afonso quem nos diz: «O conhecimento da Zélia, num lugar do Algarve, reconciliou-me com a água fresca e com os tons maiores. Passei a fazer canções maiores». Para o álbum colectivo "Coimbra Orfeon of Portugal", editado pela Monitor (dos Estados Unidos), José Afonso grava dois temas – "Minha Mãe" e "Balada Aleixo" – em que rompe definitivamente com o acompanhamento das guitarras. Nestas duas baladas é acompanhado exclusivamente à viola por José Niza e Durval Moreirinhas. Realiza digressões pela Suíça, Alemanha e Suécia, integrado num grupo de fados e guitarras, na companhia de Adriano Correia de Oliveira, José Niza, Jorge Godinho, Durval Moreirinhas e ainda da fadista lisboeta Esmeralda Amoedo. Em 1963, conclui a licenciatura na Faculdade de Letras de Coimbra com uma tese sobre Jean-Paul Sartre: "Implicações Substancialistas na Filosofia Sartriana". Em 1962 e 1963 são editados dois EP intitulados "Baladas de Coimbra", com Rui Pato à viola, dos quais fazem parte as belíssimas "Menino d'Oiro", "No Lago do Breu", "Canção do Vai... e Vem" e "Menino do Bairro Negro", esta última inspirada nos meios sociais miseráveis do Porto, no Bairro do Barredo. A balada "Os Vampiros", incluída no EP de 1963, tornar-se-á, juntamente com a "Trova do Vento que Passa" (gravada no mesmo ano por Adriano Correia de Oliveira), um dos símbolos maiores da resistência antifascista até ao advento da liberdade.
No Natal de 1971, é lançado o LP "Cantigas do Maio", com direcção musical de José Mário Branco, gravado em Herouville (perto de Paris), no Strawberry Studio, um dos mais caros e afamados da Europa. O álbum conta ainda com a participação de Carlos Correia (Bóris), Francisco Fanhais e vários músicos franceses, entre os quais, o percussionista Michel Delaporte. Além de "Grândola, Vila Morena", o disco inclui temas tão emblemáticos como "Cantigas do Maio", "Cantar Alentejano" (em homenagem a Catarina Eufémia, assassinada pela GNR), "Maio, Maduro Maio" e "Mulher da Erva". É geralmente considerado o melhor álbum de José Afonso e representa o momento de viragem para formas de acompanhamento instrumental mais enriquecidas e elaboradas. A editora Nova Realidade publica o livro "Cantar de Novo".
José Afonso vem a falecer no dia 23 de Fevereiro de 1987, no Hospital de Setúbal, às 3 horas da madrugada, vítima de esclerose lateral amiotrófica, com 57 anos de idade. O funeral realiza-se no dia seguinte, com mais de 30 mil pessoas, da Escola Secundária de S. Julião para o Cemitério da Senhora da Piedade, em Setúbal. O funeral demorou duas horas a percorrer 1300 metros. Envolvida por um pano vermelho sem qualquer símbolo, como pedira, a urna foi transportada, entre outros, por Sérgio Godinho, Júlio Pereira, José Mário Branco, Luís Cília e Francisco Fanhais….”

17 comentários:

  1. Só lá fui uma vez, na despedida de solteira de uma amiga, há mais de um quarto de século. Tal como tu, também me espantei com o contraste entre o exterior e o interior. Está visto que está na hora de lá voltar, para visitar e ver com olhos de ver. ;)

    E Zeca é sempre uma boa escolha! :)

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    1. As fotos estão longe de estarem boas, não estão como eu gostaria que estivessem, mas a "Casa do Alentejo" vale bem a pena visitar e ver com olhos de ver como dizes.
      Obrigado Teresa

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  2. Confesso que não conheço.
    E fiquei com vontade de ir visitar.

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  3. Tem um interior lindíssimo!
    Estou ansiosa que este tempo horrível passe para poder voltar a passear em Lisboa!

    Abraço

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  4. Bom dia, Ricardo
    Conheço a Casa do Alentejo, já tive o prazer de ir lá algumas vezes, e gostei imenso.
    Infelizmente neste país há dinheiro para esbanjar... mas não no que deveria ser usado.

    Adoro Zeca Afonso, e esta canção é excepcionalmente bonita, independentemente do seu profundo significado.
    Obrigada por esta partilha tão rica!

    Um 2014 muito, muito feliz.
    Beijinhos
    Mariazita
    (Link para o meu blog principal)

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    1. Pois, as recuperações são caras, mas esta valeria bem a pena. É um património bem bonito !
      Obrigado Maria Azevedo

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  5. Um luxo!
    Não há dúvida que circulou muito dinheiro latifundiário no Grémio Alentejano que se instalou neste palácio.
    Comprado há cerca de trinta anos pela Casa do Alentejo, merecia uma ampla união de esforços no sentido de recuperar o edifício e assegurar a manutenção do mesmo. O aluguer dos salões, situados numa zona tão central e apreciada da baixa lisboeta, deveria render o suficiente para, pelo menos, manter uma fachada condigna.
    Não conhecia o Palácio Alverca, usei a wikipédia para me informar e como os restantes leitores, fiquei com vontade de o conhecer; uma prova de que muito se pode fazer, se unirem-se esforços e um bom líder.

    Zeca Afsonso canta esta canção numa das espressões mais tristes e carinhosas que lhe conhecemos Combina perfeitamente, com o estado de lamentável degradação em que se encontra este edifício.

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    1. Merecia uma recuperação como deve de ser, embora isso custe dinheiro e não seria pouco. Não faço ideia quanto custam o aluguer dos salões, mas nos tempos que correm, também não devem ser tão caros assim, porque senão não tinham ninguém. O serviço de restauração é muito pouco para pagar as obras necessárias.
      Obrigado Maria José

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  6. Ricardo, o teu vídeo está perfeito a todos os aspetos, incluindo o bom gosto, nível a que já nos habituaste. O teu carinho pela arquitetura é tocante e denota uma alma muito sensível à arte.

    Zeca Afonso no dia dois de Agosto deste ano, faria 85 anos... Como o tempo passa! Mas ele continua bem vivo no coração de quem o admira.

    Beijinho.


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    1. Maria José, hei-de voltar lá (Casa do Alentejo) para voltar a fotografar. Desta vez com qualidade, coisa que estas fotos aqui não o têm. Não gosto muito delas, foi o que consegui na altura. Carinho pela arquitectura tenho e admiro bastante alguns edifícios da "minha" cidade natal.
      Amanhã, dia 9, pelas 00:01, publico mais um Prémio Valmor, a segunda menção honrosa de 1904, também na Avenida da Liberdade. Aqui foi um trabalho mais esmerado e que me deu muito gozo fazer.
      Obrigado Maria José

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  7. É o que eu sempre digo: TU e o teu blogue prestam um verdadeiro serviço público.
    Fiquei maravilhada com esta beleza escondida aos olhares de quem passa na rua. Esta referência não vou MESMO esquecer.

    Obrigada
    Beijinhos
    (^^)

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    1. A Casa do Alentejo é um recanto lindo, escondido, e passa bem despercebido no exterior para a maioria das pessoas. Vale a pena visitar e ir lá almoçar.
      Obrigado Afrodite

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  8. Lembro-me de lá ir quando era estudante em Lisboa. :)

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    1. A Casa do Alentejo é muito bonita sim. Pena tenho eu que as outras províncias não tenham aqui em Lisboa casas representativas e condignas das belezas que muitas delas são. A Casa de Trás-os-Montes era junto ao Chiado, mas agora está no Campo Pequeno. Comia-se lá muito bem. Eu sei isso, porque além de melómano, sou também gastronomo. E serviam lá uma carne de javali que somente em Bragança comi igual, num restaurante chamado "Lá em Casa". Música, Comida, Literatura, Cinema e Fotografia, são estes os meus vícios.
      Obrigado Luísa

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  9. Estava eu um dia passeando pelas portas de Santo Antão a um fim de tarde, com o meu filho e ele disse-me : pai, vamos ver aqui uma coisa que o vai maravilhar ! Confesso que foi com muita apreensão e incredulidade que atravessei aquela porta de entrada do rés do chão, para logo após, arregalar os olhos, à medida que ia subindo a escadaria e ficar realmente maravilhado com aquele verdadeiro museu ! ... Foi só para ver, não para comer, mas o suficiente para me ficarem na memória todas aquelas maravilhas ! Que tremendo contraste entre o exterior e o interior !
    Aconselho a todos, que o façam na primeira oportunidade !

    Abraço, Ricardo ! :))
    .

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    1. Aconteceu o mesmo em 1900 e troca o passo, já nem me lembro quando, entrei lá pela primeira vez com o meu Pai. Obrigado pelo teu conselho. É na realidade, digna de se visitar, a "Casa do Alentejo", em Lisboa.
      Obrigado e um Abraço Rui

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Eu fiz um Pacto com a minha língua, o Português, língua de Camões, de Pessoa e de Saramago. Respeito pelo Português (Brasil), mas em desrespeito total pelo Acordo Ortográfico de 90 !!!