Dá a surpresa de ser

Dá a surpresa de ser É alta, de um louro escuro. Faz bem só pensar em ver Seu corpo meio maduro.

Seus seios altos parecem (Se ela estivesse deitada) Dois montinhos que amanhecem Sem ter que haver madrugada.

E a mão do seu braço branco Assenta em palmo espalhado Sobre a saliência do flanco Do seu relevo tapado.

Apetece como um barco. Tem qualquer coisa de gomo. Meu Deus, quando é que eu embarco? Ó fome, quando é que eu como?

10-9-1930 - Poesias. Fernando Pessoa. (Nota explicativa de João Gaspar Simões e Luiz de Montalvor.) Lisboa: Ática, 1942 (15ª ed. 1995) - 123.

terça-feira, 23 de janeiro de 2018

A Contar pelos Dados (8) – Um dia de cada vez, mas passa depressa !


Ele crescia a olhos vistos e tinha uma paixão grande por jogar à bola. O pai tinha-lhe oferecido uma bola, do último Europeu, quando Portugal tinha ganho. Ele ficou louco e todos os dias, depois de chegar a casa e fazer os deveres escolares, havia chutos no esférico.

Convidava um ou dois amigos lá para casa e no quintal existente nas traseiras, eles já lá tinham baliza improvisada e até às 18:00, altura em que o Sol começava a cair no horizonte, era pontapé que fervia !...
O pai quando chegava do trabalho, ia para a janela que dava para o quintaleco, vê-los jogar. Algumas vezes sentiu-se tentado a descer e ir dar, também, uns chutos.
Depois o jogo acabava e iam refrescar-se. A Mãe fazia-lhes um jarro cheio de limonada e cada um tinha um copo com uma palhinha, por onde a bebiam.

Tinha já ele os seus 14 anos e as jogatanas não paravam. Um dia algo mudou na vida do Francisco, à conta do futebol e de um chuto que fez a bola transpor para outro quintal. Foi à arrecadação pegou num pequeno escadote, subiu e pulou para o quintal ao lado. Apanhou a bola. No regresso, tentou subir o muro, mas não estava fácil.
Na janela estava uma miúda ruiva, com o nariz cheio de sardas e uns lindos olhos castanhos. A rapariga presenciava Francisco na tentativa inglória de retornar ao seu quintal. Francisco parou e pressentiu que estava a ser observado. Tentou justificar-se, com a verdade. Madalena sorriu-lhe e disse que esperasse porque ela o iria ajudar. De dentro de casa trouxe uma escada e após uma breve conversa entre os dois, Francisco conseguiu regressar.

No dia seguinte o quintal do Francisco encontrava-se vazio. A bola dentro de um caixote, a baliza improvisada, arrumada na arrecadação. De João e Paulo nem vivalma. Por onde andaria o Francisco ?!
Quando Eduardo chegou do trabalho e perguntou à mulher pelo filho, Clotilde disse-lhe que o Francisco tinha ido ter com a Madalena, filha dos vizinhos do lado. O Pai percebeu que a loucura pela bola tinha desaparecido, Francisco crescera.

Também ele, tinha tido uma paixão pelo futebol. Chegou a ir para uma escola que o Pai insistiu que frequentasse. Um dia, tal como Francisco, Eduardo conheceu Clotilde, deveria ter sido há 30 e tal anos. Lembrava-se perfeitamente que a levara a passear. A geladaria do bairro, uma novidade na altura, vendia gelados muito bons e saborosos. Clotilde pediu um cone de 3 sabores, baunilha, chocolate e morango. Eduardo pagou e ficou sem dinheiro, disfarçando e argumentando que não gostava de gelados. As saudades desse tempo bateram-lhe na cabeça e no coração.

Francisco chegara. Beijou a Mãe e o Pai.

- Onde foste filho ? perguntou Clotilde.
- Não me digas que foste comer um gelado com a Madalena !? acrescentou o Pai.
- O Pai já sabe, a Mãe contou-lhe !? Gosto muito dela !... Não, não fui comer um gelado, fui andar de bicicleta !

A tarefa que o casal se propusera estava no bom caminho.

Eduardo abraçou Clotilde e deu-lhe um beijo na cara. Francisco juntou-se ao abraço.

16 comentários:

  1. Uma história muito bonita. Adoro estas suas histórias pelos dados.

    Abraço

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  2. De cada vez que contas uma história pelos "Dados", nota-se um aprimoramento, Ricardo, um certo à vontade no «manejar» das palavras e das personagens.
    Gostei bastante. Parabéns pela criatividade sempre em crescendo. :)

    Não compreendo, porém, porque razão o nascer de um novo interesse, fez com que pai e filho arrumassem as chuteiras...e nas horas que intermedeiam o namoro? Não haveria lugar para a primeira 'paixão'? :)

    Um abraço.

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    1. Gosto de escrever e tentar ser o mais perfeito possível. Quando se está apaixonado, mais nada interessa ! :)
      Muito obrigado Janita

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  3. O amor traz as mudanças mais inesperadas.
    Texto terno!

    Beijinhos, Ricardo :)

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  4. Bem imaginada, bem contado, ternurento.
    Chapeau!!
    Aquele abraço

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  5. :) Faço minha a primeira parte do comentário da Janita !
    Estás cada vez a aprimorar-te mais ! :)) ...
    Achei óptimo !

    Abraço, Ricardo ! :)

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  6. Uma delícia esta história!
    O amor transforma vidas :)
    Gostei muito Ricardo!

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  7. As paixões sucedem-se. Algumas substituem outras. :) Muito bem contada, esta história de dados.

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    1. O teu comentário é bem-vindo.
      Muito Obrigado Luísa!

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  8. O despertar das emoções tem um tempo que não se impõe... chega quando menos se espera!
    Os dados quando lançados despertam a imaginação. É um bom exercício :)

    Bjs

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    1. Tem sido um excelente exercício sem dúvida. Obrigado mz

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Eu fiz um Pacto com a minha língua, o Português, língua de Camões, de Pessoa e de Saramago. Respeito pelo Português (Brasil), mas em desrespeito total pelo Acordo Ortográfico de 90 !!!