Dá a surpresa de ser

Dá a surpresa de ser É alta, de um louro escuro. Faz bem só pensar em ver Seu corpo meio maduro.

Seus seios altos parecem (Se ela estivesse deitada) Dois montinhos que amanhecem Sem ter que haver madrugada.

E a mão do seu braço branco Assenta em palmo espalhado Sobre a saliência do flanco Do seu relevo tapado.

Apetece como um barco. Tem qualquer coisa de gomo. Meu Deus, quando é que eu embarco? Ó fome, quando é que eu como?

10-9-1930 - Poesias. Fernando Pessoa. (Nota explicativa de João Gaspar Simões e Luiz de Montalvor.) Lisboa: Ática, 1942 (15ª ed. 1995) - 123.

segunda-feira, 9 de outubro de 2017

A Contar pelos Dados (5) – A “Lisbonense”


Raúl dirigia-se à leitaria do bairro, com passo apressado. O café matinal tirado pela Rita era como um bálsamo para o seu organismo. Um último salto, para ultrapassar a poça de água, em frente, à “Lisbonense”. A chuva abatera-se sobre Lisboa, desde as 6 horas da manhã.

- Bom dia Rita ! Que raio de chuva !...
- Bom dia Sr. Raúl ! É Outono, é tempo dela !

Rita a empregada, era assim uma solteirona bonita, bem medida e que gostava de estar bem arranjada à frente da loja do pai. Vestidos rodados e abaixo do joelho, e a cara sempre simplesmente maquilhada, a condizer com a roupa que trazia vestida. Hoje, a roda era um “bordeaux”, por isso os lábios tinham um tom avermelhado silvestre. Raúl olhava-a com algum despudor e Rita deixava-se tocar pelo olhar dele.

- Sr. Raúl aqui tem o seu café !
- Obrigado Rita !

A porta da “Lisbonense” abria-se de novo.

- Pai, pai !...
- Diz, filho !
- O Pedro ontem lá na escola, estava a subir numa árvore e de repente, escorregou, como se tivesse posto o pé em cima de uma casca de banana...

O João era um miúdo esperto e estava com o seu grande amigo, o pai, Francisco. Todos os dias, normalmente, depois de Raúl, eles eram os clientes seguintes. Francisco enviuvara e desde então, dedicara a sua vida ao filho. Nunca pensara em casar de novo.

- Mas filho, o que é que o Pedro, o teu amigo, ia fazer em cima da árvore?
- Pai, ia tentar apanhar um passarito. Uma tarefa difícil, sem uma rede, não achas Pai?
- Sr. Francisco ! – interrompeu a Rita.
- Hoje é dia do seu filho levar o hamburguer para a escola, não é ?
- É sim Rita ! Simples com uma folha de alface e duas rodelas de tomate...

- E aquela carne saborosa, do talho do senhor Cruz ! – atalhou o João sorrindo.

22 comentários:


  1. Pois... não sei se era o café matinal que servia de bálsamo ao Raúl... ou se o bálsamo era a Rita! :)

    Gostei!
    Beijinhos com cafeína
    (^^)

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Eu acho que era a Rita. Eu sou como o Raúl também gosto de lábios de cor de amoras silvestres !
      Obrigado Afrodite

      Eliminar
  2. eheheh.. Isso é que tu estás com um talento para criar estas estórias, Ricardo ! :)
    E então é na lisbonense que está essa tal Rita ?... rsrs... tenho que ir lá ! :)
    Muitíssimo boa e bem engendrada e encadeada ! :)

    Abraço

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Rui não fazes ideia o gozo que me tem dado escrever estes pequenos textos que até têm corrido bem. Tenho mais um escrito, muito diferente dos anteriores, muito mais curto e de seguida, vou lançar os dados de novo.

      Sabes que ando à procura de mais 6 dados, com 36 faces diferentes destas, para complicar e para me exercitar ! Se não encontrar, tenho cá dados em casa do Poker e eu próprio invento as figuras e com autocolante produzo mais 36 figuras diferentes ! :)))

      Muito Obrigado pelo comentário e Abraço

      Eliminar
  3. Uma leitaria palco de várias histórias... :)

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Uma Leitaria que não é Garrett, como a do Vitorino, mas é Lisbonense e conta excertos da vida dos habitantes de Lisboa, se me é permitido dizê-lo, porque o texto como todos os anteriores, foi engendrado por mim !
      Obrigado Luísa

      Eliminar
  4. Uma história muito interessante. Um extraordinário exercício de imaginação.
    Abraço e boa semana.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Elvira estes dados outros idênticos deveriam ser jogo "obrigatório" para as crianças exercitarem a sua imaginação, as crianças e os adultos também !!!
      Obrigado

      Eliminar
  5. Muito giro Ricardo são bocados de vida que eu também gosto de observar quando estou sozinha.
    Acreditei na tua história.
    Bjs

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Também a acho credível e possível !
      Obrigado Papoila

      Eliminar
  6. Adoro estas histórias que constróis a partir de figurinhas! Acho que já o tinha aqui dito. Esta está especialmente deliciosa.
    Parabéns Ricardo!
    Só não concordo com a cor do baton! ;))

    Qualquer dia tens de fazer um Passatempo que se relacione com narrativas a partir de desenhos apresentados por ti!

    Ia ser muito giro...:)

    Um abraço!


    ResponderEliminar
    Respostas
    1. O Passatempo talvez um dia destes, nunca se sabe !
      Obrigado pela tua apreciação Janita

      Eliminar
  7. Boa tarde, a criatividade marca a diferença e é bem vinda, a curta historia faz a passagem pela realidade, está perfeita.
    Continuação de boa semana,
    AG

    ResponderEliminar
  8. Isto promete! Se não fosse tão longe, também eu iria à Lisbonense. Gosto de ambientes acolhedores, de gente que nos cumprimenta logo pela manhã com um sorriso afável. Gosto de locais onde sou conhecida, e até onde já sabem os meus hábitos e rotinas. Gosto de locais onde os meus filhos cresceram, e também eles são reconhecidos. É isso que faz de nós bairristas. Gente do povo, amável e cúmplice. Haja criatividade! Fico à espera dos próximos capítulos.
    Beijinhos

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Também gosto deste tipo de restauração, como hoje se diz. Leitaria, cafés, mercearias, sítios onde as pessoas ainda são conhecidas como pessoas.
      Capítulos desta história não haverão mais. São história de um só capitulo de seis dados !
      Obrigado Libel

      Eliminar
  9. Uma linda história de uma Lisboa intemporal (apenas "traída" pelo pormenor do hambúrguer: não que não se comesse antes mas indicia modas mais modernas). Muitos parabéns, Ricardo. Desconhecia estes dados com "asas" (que permite nossa imaginação voar).

    Um abraço

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. História pode ser passada actualmente, nada nos indica a década, e/ou, os hambúrgueres existem há alguns anos largos. Claro que a foto é a cara de um hambúrguer actual !

      Os dados garanto-te que são muito interessantes, custaram 5€ na altura, e dão origem a histórias para quem as quiser imaginar !

      YellowMcGregor obrigado pelo comentário !

      Eliminar
  10. Um bom exercício mental, Ricardo!

    Jogam-se os dados e constrói-se um diálogo que pode muito bem colar-se à realidade. É muita imaginação com os dados! :)

    E como eu também gosto de escrever e de desafios, meto-me na sua história e vou desviá-la para o meu pensamento colocando o
    Raúl a escorregar na casca da banana e cair que nem um passarinho na "armadilha" que a Rita lhe lançou cozinhando o melhor hambúrguer de sempre.

    Neste meu desvio, Ricardo, colocava a Rita a conquistar o coração pela boca.

    :) :) :)

    Beijinhos e desculpe a intromissão.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Uma história de amor, portanto, com culinária à mistura. Prefiro a minha ! :)
      Obrigado pelo comentário e não tens de pedir desculpa pela intromissão !

      Eliminar

Eu fiz um Pacto com a minha língua, o Português, língua de Camões, de Pessoa e de Saramago. Respeito pelo Português (Brasil), mas em desrespeito total pelo Acordo Ortográfico de 90 !!!